Dois ministros já deixaram o governo devido à repressão a um protesto
"Não queremos a ingerência dos irmãos do Brasil. Este é um problema interno da Bolívia e deve ser resolvido entre o presidente Evo Morales e os bolivianos", disse o deputado Lucio Huaycho, do partido governista MAS (Movimento ao Socialismo) à BBC Brasil.
Indígenas, oposicionistas e acadêmicos bolivianos ouvidos pela BBC Brasil afirmam que o Brasil deveria rever seu apoio à construção de uma rodovia que passaria por uma reserva florestal no país.
Ao mesmo tempo, deputados da base governista dizem que esta é "uma questão interna", cabendo apenas à Bolívia resolver o impasse.
"Não queremos a ingerência dos irmãos do Brasil. Este é um problema interno da Bolívia e deve ser resolvido entre o presidente Evo Morales e os bolivianos", disse o deputado Lucio Huaycho, do partido governista MAS (Movimento ao Socialismo) à BBC Brasil.
Nessa terça-feira, o presidente boliviano, Evo Morales, anunciou a suspensão da construção. Ele já havia anunciado que um referendo sobre a estrada será realizado em duas províncias bolivianas afetadas. Agora, o presidente decidiu também interromper os trabalhos até lá. Dois ministros já deixaram o governo devido ao caso.
Segundo fontes do governo brasileiro, o Brasil liberou recursos para a Bolívia através do BNDES, e cabe à Bolívia junto com a construtora contratada, a brasileira OAS, definir o percurso da estrada, que tem três etapas e é a segunda a que gera polêmicas.
Lucio Huaycho disse que uma alternativa seria a construção da estrada em torno da reserva de Tipnis (Território Indígena Parque Nacional Isidoro Sécure), no Departamento de Beni, e não passando por ela, como rejeitam os indígenas que habitam o território.
Para o deputado, a maior preocupação é chegar a um acordo, por consulta popular, sobre a realização da obra, além de apurar violações aos direitos humanos que teriam sido cometidos no domingo, quando policiais reprimiram uma caminhada dos indígenas com gás lacrimogêneo e os retiraram à força da estrada que os levaria a La Paz.
O cientista político Gustavo Pedraza, professor da Universidade Gabriel René Moreno, do Departamento de Santa Cruz, disse que o mínimo que o Brasil poderia fazer é dar solidariedade aos indígenas que, segundo ele, sofreram "repressão" no domingo.
Segundo Pedraza, "ninguém está contra a estrada", mas o entendimento local é que ela não pode sair do papel como está, passando pela reserva.
"Entendemos a importância da estrada para os dois países, mas a reserva tem donos porque o presidente Morales entregou títulos de propriedades às famílias indígenas que nelas vivem", afirmou.
Coca
A deputada de oposição Adriana Gil, da Força Democrata Convergência Nacional, também de Santa Cruz, disse que a estrada está gerando muitas "dores e conflitos" na Bolívia e que espera que o Brasil reveja o projeto original.
"Achamos que a obra deve ser readequada à nossa realidade, passando por fora da reserva. Não queremos uma estrada que vai acabar gerando ainda mais trafico de drogas no país", afirmou.
Opositores ao projeto argumentam que este trecho da estrada poderá facilitar o escoamento da produção da folha de coca da região do Chaparé, no Departamento de Cochabamba, no centro do país.
O analista de política econômica Javier Gómez, do Cedla (Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário), disse que as divergências em torno da rodovia preocupam não só pela reserva florestal, mas pela base política do governo.
"É factível que o projeto (da rodovia) seja suspenso e rediscutido. Mas este conflito hoje envolve o Brasil em menor medida. O que mais pesa agora é a questão interna", diz.
"A estrada envolve questões básicas da política do governo Morales – que são a folha de coca, a terra e os indígenas", afirma o analista. "A imagem dele (Morales) saiu muito afetada após a repressão contra os indígenas, no domingo."
O especialista diz ainda que a discussão sobre este segundo trecho da estrada, que ligará os Departamentos de Beni e de Cochabamba, deixou claras as diferenças entre setores indígenas.
"Os colonos de Tipnis temem o avanço do cultivo da folha de coca neste território, enquanto outros indígenas, que não têm as mesmas dimensões de terra, querem que áreas assim possam chegar a entrar na reforma agrária", afirmou.
'Mudança de discurso'
O especialista em questões indígenas David Mendoza, que é da etnia aimara, disse que Morales "mudou seu discurso" e não tem agradado os que o elegeram.
"Como bolivianos, apoiamos a eleição de um presidente que defendeu o direito dos indígenas e a terra. Mas vimos que o presidente mudou seu discurso", disse.
Ele afirmou ainda que espera que "nossos irmãos brasileiros tenham consciência sobre o meio ambiente e que congelem os recursos para esta estrada".
Nesta terça-feira, o ministro de Governo, Sacha Llorenti, anunciou que o governo convocaria a ONU para investigar "excessos policiais". Pouco depois, ele anunciou que deixava seu cargo para não ser o "motivo" para o desgaste da imagem do governo.
Ele havia sido questionado sobre as ordens para a ação policial contra os manifestantes. Na véspera, a ministra da Defesa, Cecília Chacon, deixou o cargo criticando a medida policial.
Está prevista para esta quarta-feira uma greve geral convocada pela Central Operaria da Bolívia (COB), em apoio aos indígenas de Tipnis e por aumento salarial.
Ao mesmo tempo, os manifestantes discutem como retomar a caminhada para La Paz. Eles acham que seria inconstitucional uma consulta popular com moradores de Cochabamba e de Beni e não apenas com eles, da reserva florestal.
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